quinta-feira, 30 de junho de 2011

Primeiro de julho




Quero, de presente, o útero de minha mãe.
Quero uma passagem de volta para o ventre.
Quero sentir-me no interior de alguém,
Quero sentir-me amada sem, ao menos, ser conhecida.
Levem-me. Levem-me para dentro, novamente.
Quero tudo outra vez.
Quero sentir o ar, pela primeira vez, sendo tragado pelos meus pulmões não infectados,
Quero chorar pela primeira vez,
Quero nascer de novo,
Quero crescer de novo,
Quero morrer de novo, e de novo, e de novo... 

Abdicar

Não movo mais um músculo para tentar salvar-nos.
Todos os meus seiscentos e trinta e nove músculos já estão cansados e, grande parte, contundidos.
E tu, meu bem, o que fazes com teus músculos?
Tu levas uma vida amorosa sedentária, preferes não te exercitar, pois esta função é dos que te almejam.  Preferes não ter contusões, e é por isso que recuas, e foi por isso que me deixaste partir.
Não moveste um músculo por nós – ou, talvez, até tenhas movido uns poucos -
Tentaste correr, tentaste, mas logo cansaste e desististe.
Eu espero que tu entendas a minha quietude, o meu descanso, pois já corri tanto, dando passos mais longos que minhas pernas, suportando calor e frio, engordando e emagrecendo, enfraquecendo e fortalecendo...
Eu sei que ainda tenho forças, eu sei que aguentaria correr mais umas milhas para tentar te trazer de volta, mas cansei de dar murro em ponta de faca.
Nas vezes que eu pensei em desistir, em simplesmente viver, me condenei, antecipadamente, por achar que eu estaria jogando fora esse amor, mas, hoje, alguém me deu um tapa na cara e colocou um espelho em minha frente, obrigando-me a ver minha própria face. O que eu vi? Eu vi as marcas da insônia nos meus olhos, eu vi os rastros da tristeza em minhas sobrancelhas,  eu vi meu corpo esguio, eu não vi vida; Então eu tive certeza... eu fiz de tudo por nós - eu sei que eu fiz - eu me doei por inteiro, eu não abdiquei só de algumas poucas coisas por ti, mas eu abdiquei de mim.
Eu tenho certeza que não joguei fora, e você vai entender em uma determinada hora...

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O oposto

Teu coração sedentário,
 calmo,
me embalava num
compasso lento.
Meu coração hiperativo,
louco,
te embalava num samba
cansativo.
O sedentário e o hiperativo.
 Meu coração doido,
completamente doido.
 Teu coração lúcido,
espantosamente lúcido.
 Foi um romance entre o samba e a música clássica,
 e nenhum se rendeu ao ritmo do outro,

e os dois não souberam juntar tudo e fazer música.
Teu coração preguiçoso,
absurdamente preguiçoso.
Meu coração disposto,
cansativamente disposto...
o oposto.



terça-feira, 14 de junho de 2011

Vômito

Escrevo porque o que há não cabe em mim.
Escrevo porque tudo – aqui dentro – transborda.
E vomito versos – sim, vomito – quando em meu estômago
emocional algo é mal digerido.
Então, minhas palavras nada mais são do que
vômito. (E o mais interessante é que o deglutes, o meu vômito.)  

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Nostalgia


flores dobradas
papel azul
corpo esguio
corpo quase nu
aprendendo traços
olhos abertos
às seis da manhã
suor
cravo e hortelã
passageiros
enlatados
lábios vermelhos
dias nublados
outro tempo
antigo
dias que se foram
dia
nostalgia.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Branco

Manchei de tinta estas paredes brancas.
Manchei para parecer menos louca.
Ah, como é divino poder desfrutar
Da liberdade do manchar.
Derramo-me em minhas paredes,
Em minhas paredes vivo.
E tu, o que queres aqui?
Não me venha pintar de branco o que foi manchado,
Não me venha dar de presente a loucura.
Sai daqui com esta tinta branca maldita.
Vá para o diabo com ela!
Quero manchas,
Quero olhos e ouvidos,
E bocas, e dentes nas minhas paredes.
Quero a nobre companhia dos meus rabiscos.
Quero que esta loucura branca vá para o diabo!

branco
mancho o
que não foi manchado
 perdeu-se a tinta
no olho rabiscado
o olho
que era cor
de amarelo
cádmio

terça-feira, 7 de junho de 2011

Despeço-me

Possuo uma vaga lembrança dos teus olhos tristes...
Despeço-me deles.
Despeço-me dos teus cabelos leves e brancos
tal como a poeira que predomina a superfície
da cadeira em que estou sentada.
Despeço-me da tua matéria, doce mulher...
Doce criança.
Despeço-me de ti através destes versos,
E se não for pedir demais, caso encontres
Meu nobre avô, diga que sinto saudades,
E que as histórias contadas por ele
Ainda flutuam em minha mente,
Ainda me transportam para um mundo
Menos ácido que este.
Vai, doce criatura,
Vai que este mundo não é dos doces,
Os amargos prevalecem
-E não me venham dizer o contrário,
Pois vós, que ainda estão vivos,
Tendes olhos e vês.-
Vai, mas vai sem medo.
Ganhaste, e nada perdeste.
Guardarei tua imagem, o único
Sorriso teu que tive a oportunidade de ver,
O som da tua voz, soprada uma
Única vez em meus ouvidos.
Serás eterna em minha mente.
E lembra-te:
Ganhaste, nada perdeste.



quinta-feira, 2 de junho de 2011

Pensar, sentir

Por Deus!
Não vamos chegar a conclusão nenhuma, coração.
Não percebes que o melhor é deixar partir?
Só eu sei das dores que sentes,
Só eu posso ver a tua flacidez,
Tuas estrias.
Tu lembras, coração, como
Tais lesões originaram-se?
Não, tu não lembras, pois
esta é minha função.
Tu só sentes, coração.
Por isso digo-lhe, afirmo-lhe
que o melhor é partir.
Deixa que eu cuido dos quadros
que ela pintou, das marcas que ela deixou
em nós.
Eu sou a encarregada de arquivar
todos os acontecimentos,
todos os alegres e tristes momentos,
e se quiseres, posso arquivar só os mais belos.
A única coisa que preciso, é do seu consentimento.
O que achas, coração?
Aceitas minha proposta?
Diabos, coração!!!
Não te cansas?
Quanta teimosia!
Não pensas?...

"Como hei de pensar, se esta não é minha função?
Não existe, e nunca existirá, um consenso entre nós, ó mente aparentemente lúcida.
Não preciso de ti agora.
Não quero, nesse instante, a tua lucidez.
Acalma-te, deixe-me sentir mais uma vez."