sábado, 12 de março de 2011

Sujos somos nós

Bocas e bocas falantes,
línguas e línguas cortantes,
que criticam o vestido da morena,
que criticam o ritmo do pandeiro.
Dedos e mais dedos,
podres dedos que desdenham das máscaras de carnaval,
mas que mascaram-se todos os dias na frente do espelho
espalhando por toda a face um pó mais claro que o tom de sua pele
lambuzando pelos lábios um intenso batom vermelho.
Podres bocas,podres dedos
que desdenham o tempo inteiro,
que maldizem o espírito carnavalesco
e no fundo sentem uma vontade cortante de fazer o mesmo.
Podres bocas,podres dedos
que olham com nojo a felicidade alheia,
que colocam toda a culpa,de toda a desgraça existente,na festa cultural.
E se abolirmos o carnaval?
A proliferação  do vírus HIV não vai mais se estender?
Associaram o sexo a  tal comemoração.
Associaram tudo o que é “grotesco e sujo” a tal manifestação.
Eu vos implico a minha humilde opinião:
Sujos somos nós,
que sabemos o que se passa debaixo dos nossos lençóis.
Sujos somos nós,
que contaminamos tudo o que tocamos,
até as festas infantis,
com nossa malícia e nossos atos imbecís.
Sujos somos nós,
que criticamos o tempo todo
e perdemos a oportunidade de sermos felizes.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Calor

Cabelos,olhos,cílios,
boca,garganta,ombros,
seios,ventre,sexo,
pernas,pés,unhas dos pés,
tudo insuportavelmente frio.
Cérebro,nervos,sangue,
veias,rins,ossos,pulmões,
tudo intensamente frio,
como se não houvesse vida,
como se não houvesse calor,
como se não houvesse amor,mas havia,
havia amor,havia calor,havia vida.
Corpo frio,insuportavelmente frio.
Coração quente,insuportavelmente quente
onde havia,havia sim um acúmulo de calor
um calor do bom e um calor do ruim,
daquele que não se espalha,
daquele que não aquece,
um calor brutal que perfura,rasga e estremece,
um calor que não queima de vez,que não vira cinza,
um calor que nunca passa
nem depois de tomar litros ‘água,
nem depois de meter-se no congelador.
Um calor do bom e um calor do ruim
um calor de amor e um calor de dor...
um calor que não passa,não cessa e fim.

terça-feira, 8 de março de 2011

Saiam átomos que não são meus.
Saiam células que não são minhas,
não as quero mais aqui.
O que faço?
Por Deus,o que faço para tirar teus restos de mim?
Há vestígios de ti pela minha face,olhos,seios e pernas
há vestígios de ti em minha língua,em meu nariz,em meus pulmões
há vestígios de ti em tudo o que é meu,em tudo o que eu toco,e vejo,e gosto,e desgosto.
Saiam,eu ordeno.
Quero que saiam todos os teus átomos dos meus,
pois já não há mais sentido nessa união.
Já me lavaste de ti,e então?
Pq eu,somente eu,permaneço assim?
Pq em meu corpo as tuas células ainda permanecem casadas com as minhas?
pq?
lava-me,leva todos os teus rastros de meu corpo,de minh’alma
leva,como levaste os meus de ti.
Ah,se eu nunca tivesse misturado meus átomos com os teus,minhas células com as tuas,
essa vontade que sinto em minha alma,coração,mente,seios,pernas,braços,olhos e cada um de meus órgãos,não existiria.
Ah,se eu não tivesse...
nada disso existiria,nada de necessidade,nada de dor,nada de ausência de calor
nada de células e átomos
nada de amor.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Formigas

Deito-me aqui...aqui mesmo no chão duro e gélido,mas quanto ao frio do chão,meu corpo inquieto e quente faz o favor de aquecê-lo,então...deito-me,e como que para disfarçar o desconforto do chão,forro um pano fino e negro,e só então,deito-me de verdade.
Observo as formigas grandes,médias,pequenas,pretas,amarelas,vermelhas...
Elas chegam perto como se eu fosse algum tipo de doce,algum alimento gigantesco.
Qual será o número necessário de formigas para me mover?
Para as formigas,sou enorme,mas não sou nada...nem como alimento elas me querem. Elas apenas chegam perto,conferem o produto e depois partem.
Para elas,eu não passo de uma figura,uma massa qualquer ocupando o espaço.
As formigas são admiráveis...
As formigas estão certas,não passamos de um complemento de paisagem.
Que sentido teria um chão frio,um pano negro colocado sobre ele,livros,canetas sobre o pano,sem um complemento?
Que utilidade teriam tais coisas?
Elas complementam o espaço que ocupam,mas falta algo para complementá-las também.
As formigas estão certas...
As formigas estão certíssimas.
Admiro-as,criaturinhas pequeninas...
Tão minúsculas e tão inteligentes,capazes de tal raciocínio que nem eu,criatura de quase 1,70 metros de altura,fui capaz de ter.
Tenho por vós,ó criaturinhas milimétricas,uma admiração incomum.
Não quero.
Já falei que não quero que tu mudes,ó profundo de mim.
ó,minh’alma,por favor,não sofra mutações grotescas.
ó,coração já cansado,
ó,órgãos dilacerados,eu suplico,não mudem.
Ó,língua,controle-se.
Não quero esquecer do que fui,
das coisas boas que fiz,
dos sentimentos que senti.
Não quero mudar meus costumes
por causa de certos amores ou desamores.
Não quero.
Eu me recuso.
Eu não aceito.

quarta-feira, 2 de março de 2011

As pessoas são pretas,brancas,amarelas e azuis
As pessoas são furta-cor.
São melodias simples,complexas,
compassos lentos,rápidos
São violinos,arpas,contra-baixos.
As pessoas são uma orquestra inteira
Cada uma tocando a sua maneira,
Cada uma com sua própria melodia.
Criaturas abstratas,divinas.
surpreendentes,benéfica e maleficamente.
Interrogações,exclamações,pontos finais
tudo,tudo,tudo junto.
Mistas,almas coloridas
sons que tocam as mais diversas músicas.
Contraditórias,de segundo em segundo
da tristeza para a alegria,
do sim pro talvez...
do amor para o ódio,
entre céu e terra,certo e errado
dia após dia.
As pessoas são machado de Assis,Carlos Drummond de Andrade,
Fernando pessoa e seus heterônimos.
Amanhã? Quem há de saber?
As pessoas são:” mutáveis.